segunda-feira, 13 de julho de 2020

Ivo Maia da mata encantada

Faço o que acredito
E acredito no que faço!
Antônio Ivo Maia




Ivo Maia viveu a arte em sua intensa potência. A cada segundo, a cada “olhar sobre o pomar do poeta”, a cada simetria de sua escola de pintura, a cada encenação de sua visceral inspiração e criatividade consubstanciada na natureza. A arte se espalhou pelo seu corpo, dominou com eloquência sua mente; fez crescer os cabelos, a barba e o deixou leve para viajar no êxtase de viver do que acreditava. Tudo se manifesta: “Do chão ao céu. Da boca ao reto” como diz Lenine. A arte nos faz pintar a pele, energizar a alma, vibrar o espírito. Nos põe no fluxo do universo que somos, no ser em permanente inspiração. Ivo Maia nos pintou a vida “nas texturas clorofiladas, no sincronismo do testamenteiro, na estrumeira do estrupício”.


Um coração talvez ferido pela fera que o habitava, um sábio atraído pela simetria desconcertante da natureza, uma mata embrenhada de leituras poéticas sobre a vida, os seres e a imaginação. Habitou em Ivo Maia uma floresta de obras de arte que fala, encena, fotografa, escreve e pinta. A carne de sua pele tem a marca do sertão, do barro batido, das cacimbas distantes do Catolé do Rocha, na Paraíba. Este lugar, o mesmo de seu amigo Chico Cesar, é um olheiro de artistas e Ivo veio aflorar em Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, onde encontrou outros rios de vida. As finas camadas de sua arte afloraram em pulsões mil pelos campos que semeou, dissolvendo seu carrasco.


Minha Fera

Indumentária antologia,
Do luxo embrenhado no endosperma.
Rendida ao algoz da minha fera,
Adereço adjacente prata, preto amarelo.

Militante da sabedoria,
Exaustivo no corte do cipreste.
Triunfando o absinto,
Na arena da agonia.

Na delação do chumbo,
E da casca do jatobá.
Dexarcerbando o mundo,
Solícita a promulgar.

Vivente da embolia,
Estreante do socialismo.
No sincronismo do testamenteiro,
Na estrumeira do estrupício.



Cada planta por ele plantada no bairro em que caminhava possui a cara de sua generosidade e sentimento de partilha. “se eu não plantar, você planta?” era a pergunta com que abordava os transeuntes, seguido de uma risada e sorriso largo. Alguns se assustavam outros riam. Reação insensata para um artista sensato. Foi no parque Boca da Mata que Ivo tomava nota como artista-cientista-experimentalista e condensava um universo em suas obras. A poesia transbordava em Ivo Maia, contra o maya que ilude.



Um olhar sobre o pomar do poeta

As texturas clorofiladas
Os cristais translúcidos
Se harmonizam no arquitetônico
Semblante dos florais.

O cacarejo vem do camarim
Os arpejos são calmantes
Que faz cambiar o arraiar
Devoluto do sossego.

No palpite se admite
O ritual do pote emborcado
Desvendando o instinto
Do paraninfo eleito.

As alas são desejadas
Por borboletas, zangões e colibris
Que pranteia o destino da biosfera
No evolucionismo protagonizado.



Compor uma nova canção para recompor o mundo” disse um pensador, conclamando a todos para um novo humanismo. Foi também um chamado de Ivo Maia a todos para pensarmos esse novo mundo através das artes, uma mãe-pátria, um caleidoscópio de imagens inseparáveis como a dinâmica natureza. Vi com ele o transmutar do calango cego sob as folhas, o desabrochar da bromélia espinhenta e o sabor doce-amargo do gravatá. Foi isso que Ivo Maia sempre fez: experimentar as cores, clorofilas, seivas da vida, mel, tons, sons, silenciosas nuvens, juritis, zuquinha, águas roncando no sangradouro, mudar o mundo com arte, novas cores para a vida, novas simetrias para alma, mais potencia para o espírito. A despedida nunca acabará e cada um de nós agora carrega esse Ivo caleidoscópio, a estrumeira do estrupício, o que mantem sempre o olhar sobre o pomar do poeta.


Meu amigo e meu mestre, Ivo Maia! Assim o reverencio e sinto seu sorriso de ser vivente quando a estrela no céu brilha e sua arte reluz com infinita beleza. Que sua passagem pelo cosmo indecifrável siga com a força do criador e nós agradecemos pela vida dedicada a arte que tanto nos transforma! Nosso amor se une pela arte em todas as direções

Homenagem do Goto Seco Movimento Alternativo ao amigo e artista Antônio Ivo Maia. Sua energia está em todos que o apreciam.

Texto: Cadu Araujo
Fotos: Acervo de imagens do Goto Seco


Abaixo, um depoimento de um grande amigo.

Pensei que o medo que herdei da infância sobre pragas, pestes, doenças que ameaçariam o planeta havia se transformado apenas nas expressões dlstópicas de séries a la Netflix. Não. Não. Estava enganado. Esta praga Covid saiu da minha ficção ingênua e tomou vida em forma de monstro mundializado. Tem ceifado vidas de familiares, de amigos e de muitos outras mundo a fora.Quando li nesta manhã de segunda a notícia  dada pelo nosso querido amigo Cadu sobre a morte de Ivo, meu chão sumiu. Olhos marearam, pressão arterial se alterou e minha manhã continuou com um gosto de tristeza e revolta. Como assim este vírus levar o nosso artista da natureza?  Não respeitou suas mandalas, que segundo Ivo também sintezavam a ideia de complexidade? A última vez que estivemos juntos, foi numa atividade em Ceará Mirim em um Bistrô no estilo bela vida. Proprietários que conseguiram expressar espacialmente a beleza da arte e da vida. Ele fez a performance O Golem. Pareceu possuído por uma outra peste. Não a da morte, mas a peste artaudiana. Enfurecido e citando suas glossolalias, Ivo nos proporcionou uma noite antológica e eterna. Tenho uma relação especial com os amigos de Ceará Mirim  que também são seus: Eriberto, Cadú, José Roberto, C. Henrique, Pedro, O Bruxo. É nesta cidade que tenho sido acolhido sempre com amorosidade e amizade por esses comparsas da aventura humana nas ideias e na vida. A convite deles, fiz o único lançamento do meu livro sobre Artaud. O Goto Seco como regente daquela noite tão significativa para mim. Por isso, a perda do Ivo mexeu tanto comigo. Escrevo este depoimento com vísceras e sentimentos vivos. Querido Ivo, continuaremos teimosos aqui na terra para desafiar o coro dos contentes e derramar leite bom na cara dos caretas. Vai ao encontro de outros seres raros como você e nos olhe do outro polo que passarás a residir e a descansar. Fica bem, nosso poeta das mandalas!!
Alex Galeno

Natal, 13 de julho de 2020.








Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
Contador de visitas
Contador de visitas