Faço o que acredito
E acredito no que faço!
Antônio Ivo Maia
Ivo Maia viveu a arte em sua intensa
potência. A cada segundo, a cada “olhar sobre
o pomar do poeta”, a cada simetria de sua escola de pintura, a cada
encenação de sua visceral inspiração e criatividade consubstanciada na natureza.
A arte se espalhou pelo seu corpo, dominou com eloquência sua mente; fez crescer
os cabelos, a barba e o deixou leve para viajar no êxtase de viver do que
acreditava. Tudo se manifesta: “Do chão ao céu. Da boca ao reto” como diz
Lenine. A arte nos faz pintar a pele, energizar a alma, vibrar o espírito. Nos põe
no fluxo do universo que somos, no ser em permanente inspiração. Ivo Maia nos pintou
a vida “nas texturas clorofiladas, no
sincronismo do testamenteiro, na estrumeira do estrupício”.
Um coração talvez ferido pela fera que
o habitava, um sábio atraído pela simetria desconcertante da natureza, uma mata
embrenhada de leituras poéticas sobre a vida, os seres e a imaginação. Habitou
em Ivo Maia uma floresta de obras de arte que fala, encena, fotografa, escreve
e pinta. A carne de sua pele tem a marca do sertão, do barro batido, das
cacimbas distantes do Catolé do Rocha, na Paraíba. Este lugar, o mesmo de seu
amigo Chico Cesar, é um olheiro de artistas e Ivo veio aflorar em Ceará-Mirim,
no Rio Grande do Norte, onde encontrou outros rios de vida. As finas camadas de
sua arte afloraram em pulsões mil pelos campos que semeou, dissolvendo seu
carrasco.
Minha Fera
Indumentária
antologia,
Do luxo embrenhado
no endosperma.
Rendida ao algoz
da minha fera,
Adereço adjacente
prata, preto amarelo.
Militante da
sabedoria,
Exaustivo no corte
do cipreste.
Triunfando o
absinto,
Na arena da
agonia.
Na delação do chumbo,
E da casca do
jatobá.
Dexarcerbando o
mundo,
Solícita a
promulgar.
Vivente da
embolia,
Estreante do
socialismo.
No sincronismo do
testamenteiro,
Na estrumeira do
estrupício.
Cada planta por ele plantada no
bairro em que caminhava possui a cara de sua generosidade e sentimento de
partilha. “se eu não plantar, você
planta?” era a pergunta com que abordava os transeuntes, seguido de uma
risada e sorriso largo. Alguns se assustavam outros riam. Reação insensata para
um artista sensato. Foi no parque Boca da Mata que Ivo tomava nota como artista-cientista-experimentalista
e condensava um universo em suas obras. A poesia transbordava em Ivo Maia,
contra o maya que ilude.
Um olhar sobre o pomar do poeta
As texturas clorofiladas
Os cristais translúcidos
Se harmonizam no
arquitetônico
Semblante dos florais.
O cacarejo vem do camarim
Os arpejos são calmantes
Que faz cambiar o arraiar
Devoluto do sossego.
No palpite se admite
O ritual do pote emborcado
Desvendando o instinto
Do paraninfo eleito.
As alas são desejadas
Por borboletas, zangões e
colibris
Que pranteia o destino da
biosfera
No evolucionismo
protagonizado.
“Compor uma nova canção
para recompor o mundo” disse um pensador, conclamando a todos para um novo
humanismo. Foi também um chamado de Ivo Maia a todos para pensarmos esse novo
mundo através das artes, uma mãe-pátria, um caleidoscópio de imagens inseparáveis
como a dinâmica natureza. Vi com ele o transmutar do calango cego sob as
folhas, o desabrochar da bromélia espinhenta e o sabor doce-amargo do gravatá.
Foi isso que Ivo Maia sempre fez: experimentar as cores, clorofilas, seivas da
vida, mel, tons, sons, silenciosas nuvens, juritis, zuquinha, águas roncando no
sangradouro, mudar o mundo com arte, novas cores para a vida, novas simetrias
para alma, mais potencia para o espírito. A despedida nunca acabará e cada um
de nós agora carrega esse Ivo caleidoscópio, a estrumeira do estrupício, o que
mantem sempre o olhar sobre o pomar do poeta.
Meu amigo e meu mestre, Ivo Maia! Assim
o reverencio e sinto seu sorriso de ser vivente quando a estrela no céu brilha e
sua arte reluz com infinita beleza. Que sua passagem pelo cosmo indecifrável
siga com a força do criador e nós agradecemos pela vida dedicada a arte que
tanto nos transforma! Nosso amor se une pela arte em todas as direções
Homenagem do Goto
Seco Movimento Alternativo ao amigo e artista Antônio Ivo Maia. Sua energia
está em todos que o apreciam.
Texto: Cadu
Araujo
Fotos: Acervo
de imagens do Goto Seco
Abaixo, um depoimento de um grande
amigo.
Pensei que o medo que herdei da
infância sobre pragas, pestes, doenças que ameaçariam o planeta havia se
transformado apenas nas expressões dlstópicas de séries a la Netflix. Não. Não.
Estava enganado. Esta praga Covid saiu da minha ficção ingênua e tomou vida em
forma de monstro mundializado. Tem ceifado vidas de familiares, de amigos e de
muitos outras mundo a fora.Quando li nesta manhã de segunda a notícia dada pelo nosso querido amigo Cadu sobre a
morte de Ivo, meu chão sumiu. Olhos marearam, pressão arterial se alterou e
minha manhã continuou com um gosto de tristeza e revolta. Como assim este vírus
levar o nosso artista da natureza? Não
respeitou suas mandalas, que segundo Ivo também sintezavam a ideia de complexidade?
A última vez que estivemos juntos, foi numa atividade em Ceará Mirim em um
Bistrô no estilo bela vida. Proprietários que conseguiram expressar
espacialmente a beleza da arte e da vida. Ele fez a performance O Golem.
Pareceu possuído por uma outra peste. Não a da morte, mas a peste artaudiana.
Enfurecido e citando suas glossolalias, Ivo nos proporcionou uma noite
antológica e eterna. Tenho uma relação especial com os amigos de Ceará
Mirim que também são seus: Eriberto,
Cadú, José Roberto, C. Henrique, Pedro, O Bruxo. É nesta cidade que tenho sido
acolhido sempre com amorosidade e amizade por esses comparsas da aventura
humana nas ideias e na vida. A convite deles, fiz o único lançamento do meu
livro sobre Artaud. O Goto Seco como regente daquela noite tão significativa
para mim. Por isso, a perda do Ivo mexeu tanto comigo. Escrevo este depoimento
com vísceras e sentimentos vivos. Querido Ivo, continuaremos teimosos aqui na
terra para desafiar o coro dos contentes e derramar leite bom na cara dos
caretas. Vai ao encontro de outros seres raros como você e nos olhe do outro
polo que passarás a residir e a descansar. Fica bem, nosso poeta das mandalas!!
Alex Galeno
Natal, 13 de
julho de 2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário