segunda-feira, 25 de maio de 2020

O poeta da lucidez embriagante



Muitos dos meus ideais não irão se concretizar por inteiro. Geração cheia de atitude, a favor da diversidade e que desobedece aos estados de intensa razão.  Não podemos negar as experiências que nos aproximam do que realmente somos: loucos e lúcidos, sonhadores e vagantes.
No encontro com o poeta, perco o tempo, as palavras, o espaço; perco também as rédeas, saio do rumo e espremo o sumo de minha existência. Tudo vira ao avesso. Foi assim que me lembrei de um tempo e de um velho amigo.
Um poeta não lembrado e esquecido na esquina entre a rua da realidade e a avenida da ilusão. Foi assim que decifrei Jojó, um poeta que acredito ser o poeta cometa, um verdadeiro Alien do passado.
No documento parece que tem Josieverson, mas no papel de poeta, músico, compositor, mecânico e vendedor de limão, além de moto-taxista, ele é Jojó.
Vou explicar melhor porque é um alienígena do passado. Um dia cheguei na casa da minha mãe e na área estavam folhas de papel com escritos em garranchos. Antes de pegá-los vi o nome de Jojó e abaixo a frase “Os Aliens do Passado”. Era o nome da banda que formamos e fizemos uma única apresentação no evento anual do Movimento Alternativo Goto Seco, em setembro de 2018. Sem ensaio, sem notas e sem sobriedade, foi um ponto no holograma da arte do universo. Wellington posto na guitarra, eu no baixo e JB na bateria. Na frente, Jojó testava a paciência do mesário de som e muitos loucos na plateia vidrados nos movimentos imprevisíveis, prontos para vibrarem numa loucura qualquer. Amores, bosta de burro, cão estrela, profecias etílicas, mulheres, viagra e disritmias formou uma poética digna de só uma apresentação! Foi bom ver o poeta transbordar, gritar, agredir o vento, falar de suas perdas inexistentes naquele dia que fez desaparecer o tempo e partiu a partitura.
Já vi Jojó ser preso, mas nunca vi prenderem o poeta que carrega. Nunca perdeu a loucura que anda pelo seu corpo, nem perdeu jamais a razão. Isso ele sempre deixa em casa, bem guardada, pra não perder. Seus cachorros-amigos, o estrela e o surfista, não o veem como dono, nem veem nele fronteiras, aceitando o absurdo de dividir o churrasquinho com ele.
Jojó poetizou uma vez: “olhei para luz tão de repente que pensei que um mosquito passando fosse uma estrela cadente”. Foi um caminho sem volta, foi uma saída de si, Uma volta sobre a terra. Ou foi apenas uma embriaguez?! Tanto faz, pois embriagado ou lúcido a imaginação nunca abandona o poeta. Apenas se autogera, entropia da mente, alimentada pelo que se sente, limitado ou não, em cada momento. É a ilusão tão real da realidade que ilude o poeta. Foi assim que o universo concebeu Jojó: o poeta da lucidez embriagante.
Então, que fique claro: quem embriaga Jojó é a realidade que enjaula e a ilusão é a realidade que lhe acolhe. Sua poesia vem do esquecimento do mundo e, ao mesmo tempo, vem da lembrança que devemos existir e isso às vezes cabe numa dose, mas em outras ocasiões, parece que não cabe no mundo. O que o real nos faz a não ser usar a ilusão para nos protegermos dela mesmo?! Qual o sentido de poder ser e não saber que já sou? O que pode ser pior do que ter poesia, este vasto oceano, e não poder navegar?
Em Setembro de 2001, na primeira edição do jornal alternativo Folha Delta, feito em Ceará-Mirim, Jojó publicou o poema:
Estou vivendo tentando não morrer
E procurando no tempo a razão do meu viver
Será que é beber?
Será que é amar você?
O será simplesmente morrer?

Colocam Jojó numa bolha da loucura, nesse limitado normal, mas Jojó é mais. Ele transcende a loucura de forma racional, construindo verdades em cada esquina que passa, tirando a roupa, quebrando copos, subindo na mesa e dando tragos. Vai fumando os caretas que lhe enquadram, um por um.
Nas folhas que encontrei jogadas na área da minha mãe tem letras, composições e mais nada além de poesias. Mas o que poucos sabem é seu segredo. O que o faz decifrar a vida, essa realidade ilusória, fria e solitária é uma luneta mágica. Acontece como no livro A Luneta Mágica, de Joaquim Macedo, onde Simplício vê maldades, descumpre regras e depois o bem aparece nas pessoas, mas que passam a lhe enganar, fazendo-o mudar de rumo na vida. Seria a poesia a luneta mágica de Jojó? Só ele sabe. Só sei desse grande poeta na vida. Bravo, Jojó!


Cadu Araujo (Poeta e educador)
Imagens do autor
Para o Movimento Alternativo Goto Seco
Ceará-Mirim, 21/05/2020

Um comentário:

  1. Cada um de nós tem uma história curiosa sobre essa icônica figura, sem dúvida é mecedor dessa homenagem, mas seu estilo de vida degradante e o que nos preocupa...

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